8.12.09

galheteiro


Hoje é dia de limpezas no boteco. Entre duas ou três escarras bem puxadas vai-se dando a esfregadela devida ao mosaico. Não engana o algodão, mas dá pró gasto.


De pelourico nas canelas moles levanto nuvens de pó com gestos magistrais, tusso como uma lady, cheia de lencinhos brancos. O cozinheiro está a arbitrar a sopa pingada pelo suor da testa. “A gente aqui na tasca é tudo natural! E o que não se come dá-se aos cães qu’isto de estragar o comer é pecado.”

A Dona Filomena voltou com o mesmo vison mortiço que põe ao ombro diariamente desde 1879. Às vezes perco uns minutos a observá-los, a ela e ao vison. O preciosismo do chá earl grey servido no bule de alumínio com impressões digitais sebentas. O brilho do cabelo arroxeado de velhice e o papel crepe da nuca. O vison todo esticado a tentar bebericar também um bocadinho do néctar demolhado durante exactamente um minuto e meio. Os dedinhos artríticos tilintam nos copos e murmuram pelamor de deus e palavra de honra.

Hoje há bola na sic. É dia de festa no boteco. Desdobramo-nos em palhas de aço porque é preciso arear panelas e há moelas para jantar. E ovas, queres ovas? Deslizo em corropios pelo boteco e tempero tudo a fio de azeite gourmet. E depois sentada no pátio de Marlboro em riste a conversar com os pombos que chegam atraídos pelo cheiro a marisco e salmonelas.

Meninas, está na hora da menarca. Agora sois mulheres vigorosas e tendes peitos. E eu trouxe confettis.

centro de emprego


Lavar os dentes… check!
Calçar os sapatos… check!
Ampola de Bioritmo… check!

Com a pila enfeitada de purpurinas cadentes estou pronto para sair à rua.

Uma hora no autocarro a desfiar o tártaro dos dentes e começo e entabular conversas mentais. Tento adivinhar como de todas as outras vezes o conteúdo da lancheira de lata do senhor que se senta ao meu lado. Está na altura de renovar a quest, há três meses que não vejo ali nada além de membros dos mortos de telejornal.

Está calor, colega! Isto no inverno ainda se vai carregando na roupa mas o verão não dá hipótese.

Fiz que sim com a cabeça. Percebemos que somos velhos quando respondemos a merdas destas. Um homem do século XXI que esfolia as bochechas uma vez por semana não se perde a falar do tempo com alguém que se passeia com mortos ao pé das sandes de presunto.

Wägen halt! Parada solicitada! Mando o voo da Fénix nos três degraus do autocarro e digo bom dia aos turistas, todo eu cheio de dentes. As japonesas batem palmas electrónicas e murmuram onegai shimasus num aparato de hello kitties e malinhas cor de rosa.

Hoje é um bom dia. Vou pela rua em pontas, sou a prima ballerina na Flandres. A ovulação está no ar e o bichedo lisboeta emana uma aura de menstruação e bolos quentes. As putas do campo grande já fecharam a loja. Tivesse eu vindo mais cedo e dispensava-se a meia hora de passadeira no holmes place.

Só faltam uns vinte minutos no metro mas parece que andam a colher gente das linhas. Goodnight sweet prince, espero que fiques confortável na lancheira de lata que eu ainda vou ao escritório mostrar as purpurinas ao chefe.

O Simões trouxe cristais Swarovski. Estou fodido.